Decorriam os anos 60.
Dos quatro cantos do arquipélago chegavam a Angra mancebos, destinados à guerra no Ultramar. O Monte Brasil era mais que o popular Castelo: era um campo de treino militar, com trincheiras até às salinas e do largo de Santo António até às muralhas. Debaixo dos pinheiros, os soldados, em grupos, simulavam ataques do inimigo. A instrução militar parecia tão cuidada que, no Pátio d'Alfândega, apesar do movimento de cargas e descargas, ouvia-se rajadas de G3 e altos gritos da soldadesca, certamente, para esconjurar o terror das matas africanas e dos “bandoleiros assassinos”.
Por Angra do Heroismo, passava a defesa de territórios ultramarinos cuja vida pouco ou nada nos dizia.
Após o sismo de São Jorge para Angola embarcaram, no paquete Lima, algumas famílias sinistradas, rumo aos colonatos da Cela e do Negage. Aquela gente simples e crente em promessas oficiais de muitas terras, prosperidade e futuro nada disso encontraram. Dez anos mais tarde comprovei, in loco, quantas dificuldades passaram aquelas famílias, cujo dinamismo e vontade de vencer os levou, após a descolonização, ao Vale de São Joaquim na Califórnia, onde, aí, sim! descobriram o “el dourado”.
Muito penosa era a vida em todas as ilhas.
A agricultura alimentava-se da subsistência e da sobserviência aos senhores detentores da terra e a pesca vivia da caça à baleia e das inconstantes safras e transformação de atum.
Cada ilha era um mundo fechado, nas fronteiras dos íngremes penedos, embora se sonhasse com “califórnias perdidas de abundância”. Partir era uma benção. Ficar um suplício.
Pouco sabíamos uns dos outros. Repartidos e arregimentados em três distritos – Ponta Delgada, Angra do Heroismo e Horta – vivíamos longe um dos outros e, quando alguém pretendia viver noutra ilha, carecia de autorização oficial. Açorianos era uma designação muito pouco usada e, na verdade, não traduzia a identidade do povo.
Houve, no entanto, instituições que promoveram a alteração desta situação: o Seminário de Angra, que recebeu e formou jovens de todas as ilhas, proporcionando-lhes uma formação universal e arquipelágica, pela troca de saberes e idiossincrasias dos povos das nove ilhas. Está ainda por fazer o estudo aprofundado da importância cultural, social, política e religiosa daquela Escola, nos últimos cem anos.
Outra instituição cujo papel determinante importa sublinhar é o Rádio Clube de Angra (RCA). Na década de 60, esta estação de rádio, emitindo em onda média para todo o arquipélago, foi um meio, de os habitantes de cada uma das ilhas, de Santa Maria ao Corvo, expressarem os seus anseios e preocupações e as suas vivências sociais e culturais.
O recentemente falecido, locutor João Ávila, atrevo-me a dizê-lo, desempenhou, nos anos 60, acção importante, em todo o processo de desenvolvimento e aproximação das ilhas. Apresentador/realizador do Programa da Manhã do RCA cedo se deve ter apercebido do papel que desempenhava na formação da opinião pública insular e, por isso, deu voz a vários correspondentes que, periodicamente, transmitiam o viver e o querer de cada uma das ilhas adjcentes.
João Ávila, como educador dos radiouvintes dedicava espaços à divulgação da música clássica, dos intérpretes musicais portugueses e insulares, às novidades discográficas e para às notícias que ele apresentada, tendo por fontes os jornais, as agências noticiosas e outras. João Ávila reportou, para todo o arquipélago, acontecimentos marcantes da história da Terceira. O Rádio Clube de Angra era, de facto, “a voz da Terceira” e dos Açores até, pois o então Emissor Regional, da Emissora Nacional, transmitindo, embora, em onda curta, circunscrevia-se à Gaspar Frutuoso, a Ponta Delgada e à informação do regime.
Há pessoas que marcam a história de um povo e que, por este ou aquele motivo, passaram ao role dos esquecidos. João Ávila é uma dessas figuras que merecia reconhecimento público.
Habituei-me a respeitá-lo no RCA, não só pelos cabelos grisalhos, mas sobretudo pela sua voz inconfundível, discurso fácil e correcto, nos tempos em que, com Onésimo Almeida e José F. Costa, nos iniciávamos na rádio fazendo o programa Hoje é domingo”.
Já lá vão quarenta anos!
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